PAM BELLUCK
DO "NEW YORK TIMES"
Digamos que você esteja se aprontando para um
encontro romântico às cegas ou para uma entrevista de emprego. O que você deve
fazer para se preparar? Além de tomar banho e se barbear, é claro, seria o caso
de ler -mas não qualquer coisa. Algo de Tchekhov ou de Alice Munro ajudará você
a navegar pelo novo território social e a interpretar emoções melhor do que com
a ficção popular ou a não ficção.
Segundo um estudo recente, a ficção
literária deixa mais espaço para a imaginação, estimulando os leitores a fazer
inferências sobre os personagens e a serem sensíveis a complexidades e nuances
emocionais.
"Por isso amo a ciência",
disse Louise Erdrich, cujo romance "The Round House" foi usado na
experiência. Os pesquisadores, segundo ela, "provaram como são verdadeiros
os benefícios intangíveis da ficção literária".
Não é nova a ideia de que nossas
leituras podem influenciar nossas habilidades sociais e emocionais. Pesquisas
anteriores já haviam correlacionado vários tipos de leitura à empatia e à
sensibilidade. Recentemente, cientistas usaram testes de percepção da
inteligência emocional para estudar crianças com autismo.
Mas os especialistas dizem que a nova
descoberta foi poderosa por ter sugerido um efeito direto e quantificável da
literatura, mesmo quando lida por poucos minutos.
O estudo, publicado em 3 de outubro
pela revista "Science", mostrou que após ler ficção literária, em vez
de ficção popular ou não ficção séria, as pessoas tinham melhor desempenho em
testes que mensuravam a empatia, a percepção social e a inteligência emocional
-habilidades que vêm a calhar quando se tenta ler a linguagem corporal de
alguém ou avaliar o que os outros podem estar pensando.
Nicholas Humphrey, professor emérito do
Darwin College, da Universidade de Cambridge, que não se envolveu na pesquisa,
disse que já era de se esperar que a leitura em geral tornasse as pessoas mais
predispostas à empatia e à compreensão. "Mas separar a ficção literária e
demonstrar que ela tem efeitos diferentes das outras formas de leitura é
notável."
Os autores do estudo e outros
psicólogos acadêmicos disseram que tais conclusões deveriam ser consideradas
pelos educadores que concebem os currículos, especialmente aqueles que hoje se
inclinam por tarefas de leitura de não ficção.
"Francamente, concordo com o
estudo", disse Albert Wendland, que dirige um mestrado sobre ficção
popular na Universidade Seton Hill, em Nova Jersey. "Ao fazer narrativas
sensíveis e longas da vida das pessoas, esse tipo de ficção está literalmente
se colocando na posição de outrem -vidas que poderiam ser mais difíceis, mais
complexas, mais do que aquilo com que você poderia estar acostumado na ficção
popular." Ele acrescentou: "Talvez a ficção popular seja uma forma de
lidar mais com seu próprio ser, talvez com os próprios desejos e
necessidades".
Na ficção popular, disse o doutorando
David Comer Kidd, um dos pesquisadores do estudo, "realmente o autor está
no controle, e o leitor tem um papel mais passivo". Na ficção literária,
como nas obras de Dostoiévski, "não há uma voz única e abrangente",
disse ele. "Cada personagem apresenta uma versão diferente da realidade, e
elas não são necessariamente confiáveis. Você precisa participar como leitor
dessa dialética, o que é realmente algo que você precisa fazer na vida
real."
Emanuele Castano, professor de
psicologia e outro autor do estudo, acrescentou que, em muitos casos, "a
ficção popular parece mais focada na trama". "Os personagens podem
ser intercambiáveis e geralmente mais estereotipados na forma como são
descritos."
Em um teste, os pesquisadores da Nova
Escola de Pesquisas Sociais, em Nova York, pediram a pessoas que haviam acabado
de ler determinados trechos por poucos minutos que estudassem fotos de pares de
olhos e encontrassem um adjetivo que melhor descrevesse a emoção demonstrada em
cada fotografia.
Será que a mulher de olhar enevoado
está perplexa ou duvidosa? E o homem de olhos semicerrados, estará desconfiado
ou indeciso? Ela está interessada ou irritada, sedutora ou hostil? Será que ele
está fantasiando ou se sentindo culpado, está dominante ou horrorizado? Ou estará
chateado pelo fato de suas ações de uma empresa de tecnologia terem perdido
meio por cento na Nasdaq num pregão noturno depois das últimas notícias sobre o
Oriente Médio? (Estou brincando -essa última alternativa não estava no teste.)
Os pesquisadores concluíram que pessoas
que leram ficção literária tiveram resultados melhores do que quem leu ficção
popular ou não ficção.
Quem leu ficção popular cometeu tantos
erros quanto quem não leu nada, descobriram eles.
Há muita coisa que o estudo não aborda:
passar três meses lendo Charles Dickens ou Jane Austen produziria efeitos
maiores ou menores, ou não teria influência? Será que os resultados se
manteriam se a mesma pessoa lesse todos os tipos de material?
Seja como for, Erdrich, a romancista,
disse que o estudo a fez se sentir "pessoalmente animada".
"Os escritores costumam ser
solitários obsessivos, especialmente os literários. É legal que digam que o que
escrevemos tem valor social".
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